O que move um caravaneiro?
Divididos em duas turmas, os caravaneiros que embarcaram no último dia 13 para Moçambique levaram as malas cheias de bons sentimentos. Ao todo, 48 voluntários, metade deles se concentrou na região de Muzumuia e a outra em Chicualacuala. Médicos e dentistas realizaram atendimento em cada aldeia visitada, a prioridade foram as crianças, mas nunca se diz não aos pais e idosos que também precisam de atendimento.
De 8h da manhã até 5h da tarde, todos os dias, foram feitas avaliações médicas e dentárias, escovações e entrega de roupas e calçados – doados por pessoas de diversos estados brasileiros e até do exterior, trazidas pelos caravaneiros. No total, foram atendidas 4,5 mil pessoas entre crianças, jovens e idosos.
Coordenador da caravana em Muzumuia, o médico Andrei Moreira comemora a prosperidade a olhos vistos. “Além do trabalho regular, tem novas oficinas de capacitação profissional, como corte, costura e artesanatos e também obras de ampliação da estrutura de acolhimento”, conta.
Dentre os caravaneiros, há muitos que estão indo pela primeira vez, que deixaram suas casas e rotina para se dedicarem um pouquinho a quem tanto precisa. Médico, de Pernambuco, Alberto Gorayeb de Carvalho, descreve o que o fez ir para a África. “Acredito que muitas são as possibilidades que a vida oferece para que encontremos o sentido de tudo, entretanto, a nossa visão mecânica e reducionista das situações nos privam de ter os olhos reais de enxergar o essencial. Como médico, minha utilidade para o mundo é abrandar a dor e o sofrimento do outro. E muitas vezes, a despeito do preparo técnico e espiritual que busco vivenciar, os meus olhos não conseguem enxergar o sentido das coisas”.
Quando pensou em vir para a África, o sentimento foi de buscar resgatar os próprios olhos. “Resgatar a visão real de um mundo do qual sou corresponsável e parte. Parei, saí do meu trabalho e do meu conforto e vim sentir na pele o calor e a poeira, o frio e o medo de perto. Esses sentimentos, vivenciados em cada atendimento e reavivados a cada batuque de um tambor, tem me trazido meus olhos de volta e, junto com eles, o sentido da minha vida, enquanto cidadão-do-mundo tem se aproximado de mim de forma brusca”, narra.
Na África, os dias são mágicos e desafiadores ao mesmo tempo. O que mais encanta caravaneiros é a vivência corpo a corpo com uma cultura distante, ditada pelas danças, batuques e manifestações religiosas. “Por outro lado, a carência afetiva das pessoas e os seus olhares de incompletude que nos interrogam constantemente encontram a minha vontade de ajudar e me doar, e esse encontro é mágico, é sublime e significativo”, poetiza Alberto.
Empresária, Luciana de Azevedo, saiu de Minas Gerais movida pela vontade de fazer a diferença. “De poder fazer alguém mais feliz, dar esperança a alguém. A África, em especial, me toca e o que me move é a compaixão, quando cheguei fiquei emocionada com a gratidão deles e vi o quanto a fraternidade muda a vida deles. Muda num sentido de ajudá-los a sobreviver”.
Nem as quinhentas fotos registradas nos primeiros dias pelo advogado Alexandre Luis Oliveira Rodrigues conseguiriam traduzir o que o caravaneiro de Campinas tem vivido ali. “Sempre fiz trabalho voluntário na minha região desde adolescente. Quando conheci a fraternidade, me apaixonei pelo trabalho e resolvi fazer parte da caravana”, relata.
O que lhe move é resumido em duas palavras: atitude e amor. “E eu vim pensando que iria ajudar, me surpreendi com o povo e a cultura. Aprendi e recebi muito mais do que doei, porque apesar de toda a dificuldade e fome, eles são tão alegres, carinhosos e respeitam a vida e o próximo. Realmente, eles são uma lição de vida”.
E pode ser que seja a terceira, quarta ou quinta caravana, mas o sentimento sempre será como se fosse a primeira vez. Médico em Santa Catarina, Henrique Patto, está na terceira ida e a emoção ainda lhe brota aos olhos, muitas vezes, em meio ao atendimento. “Eu estava fazendo a triagem e então, cada criança que vinha até mim, com um olhar que me toca no fundo da alma, com roupinhas rasgadas, sapatos velhos… Eu pensei como somos privilegiados e desabei”, descreve.
Patto resume que pode voltar ainda mais mil vezes, que nunca estará preparado. “Será sempre a primeira vez, tenho certeza que olho nos olhos de Jesus cada vez que olho nos olhos desses pequenos. O que me move é o amor e a consciência de que somos uma família universal”.