Eles enxergaram nos detalhes a oportunidade de transformar a rua de uma das cidades mais famosas no mundo. E devolver a ela o real significado do nome
Por: Natália Olliver – Jornalista voluntária FSF
Bastou um olhar atento, algumas palavras e as pessoas certas para que Suellen se apaixonasse por um mundo até então desconhecido: o voluntariado. Para contar essa história temos que voltar um pouco no tempo.
Natural de Presidente Venceslau, interior do estado de São Paulo, Suellen Juhas (34), vivenciou inúmeras experiências. Formada em Comercio Exterior, ela se jogou no mundo e atravessou o oceano Atlântico para se tornar AuPair nos Estados Unidos. Depois do intercâmbio, Suellen fez mestrado, se apaixonou pelo país e fez dele o seu lar. Já são dez anos em solo norte-americano. A família ficou no Brasil, na cidade de Maringá, Paraná, lugar em que Suellen se formou. Hoje ela é dona de uma empresa de organização, é Personal Organizer, mora em Las Vegas com o namorado e participa de um projeto social como voluntária. E é aqui que a história começa.
“A cidade de Las Vegas é 0 ou 100, ou seja, tem muita coisa boa, porém, é uma cidade que proporciona inúmeros vícios.”, relata Suellen. O sonho americano não mostra o lado carente, infeliz e muito menos sem graça da cidade. Os roteiros não envolvem tristezas. Não há espaço para o real. Pessoas são seduzidas pela indústria do entretenimento diariamente. “Vegas é puro glamour”, completa Suellen. Entretanto, há poucos metros dos famosos cassinos, vistos em diversos filmes hollywoodianos, há uma rua chamada Corridor of Hope (Corredor da Esperança). Aqui é o cenário onde as câmeras desligam e o mundo não enxerga a pobreza, a fome e o vício.
E foi nesse ambiente no qual Suellen decidiu, em 2018, se juntar a um grupo de amigos, que trabalhava para fazer a diferença e devolver à rua o real significado do nome: Esperança. As políticas públicas para moradores de rua são diferentes do Brasil. Nos Estados Unidos a assistência é feita por Órgãos Governamentais e não Governamentais, como ONGS e empresas sem fins lucrativos. As ações independentes, como por exemplo, levar comida para pessoas em situações de rua, não são permitidas, é necessário que haja um projeto com espaço físico e uma licença, para que as pessoas em estado de vulnerabilidade, possam usufruir dessas doações, ou seja, doações de alimentos nas ruas de Las Vegas, não são permitidas.
Apesar do auxílio do governo norte-americano, inúmeras pessoas no estado de Nevada, na cidade de Las Vegas, por diversos motivos acabam morando nas ruas. A situação que já era preocupante se agravou ainda mais devido à pandemia da Covid-19.
Diante da situação lamentável, antes da Pandemia, em meados de 2018, Suellen começou a fazer parte do grupo da Casa Espirita – LVCSC (Las Vegas Christian Spiritist Center). O grupo da Casa Espirita, começou a distribuir cachorro quente nas ruas localizadas em um bairro carente de Las Vegas. “Essa ideia surgiu de um amigo (Patrick) que já fazia algo parecido em outra cidade dos EUA e junto com a presidente da Casa Espirita de Las Vergas, Carolina Ribeiro e uma participante do grupo (Samantha Johnson), que ofereceu a casa dela para fazermos o cachorro quente, começamos a distribuir esse alimento aos moradores de rua…”,relata Suellen. Porém o grupo não tinha muito conhecimento sobre as particularidades legais para poder efetuar a ação e foram advertidos pela policia local, que foram muito atenciosos e prestativos, explicando que tal ação não podia ser feita daquela forma, relata Suellen. Mesmo com medo, o grupo movido pela solidariedade e fraternidade, mantiveram a ação por algum tempo. “A gente continuou, mas já estávamos atrás de mais informações, para continuar a ajudar os moradores de rua da melhor forma e de uma maneira licita”. Suellen conta que foi assim que surgiu a oportunidade de trabalhar com outro grupo que tem um projeto chamado The Given Project, onde uma vez por mês, eles promovem um evento, com pareceria da policia local para distribuir roupas, sapatos e alimentos aos moradores de rua.
A pandemia chegou no começo de 2020 e tudo mudou. O projeto The Given Project, teve que suspender seus eventos, e o grupo da Casa Espirita, do qual Suellen faz parte, não poderia mais participar nessa ajuda solidaria. Foi então, que Suellen e outro grupo de amigos, em pleno o verão de Las Vegas, que chega na margem de 45 a 50 graus célsius, resolveu distribuir garrafas de água gelada para os moradores de rua, na mesma rua onde se localiza a realização do evento que antes da pandemia o grupo da Casa Espirita participava e foi ai que dessa pequena ação voluntaria, um lindo projeto estava por vir.
Suellen relata que em um desses dias que ela e seus amigos resolveram distribuir as águas para as pessoas em condições de rua, o presidente de uma instituição local, não governamental e que também trabalha para ajudar os moradores de rua, o Sr. Michael Swecker da CARE COMPLEX, se compadeceu da ação do grupo de amigos em que a Suellen faz parte, e ofereceu o espaço do estacionamento da instituição da qual ele é presidente, para que o grupo pudesse entregar as aguas e até alimentos com mais segurança e de uma forma legal, que não fosse no meio da rua. “Encontramos a CARE COMPLEX, em 2020, uma Organização não Governamental, que dá assistência burocrática para os moradores de rua. Eles nos deixaram usar o espaço legal deles para a nossa ação. Aí tudo começou de fato.”, pontua Suellen.
O grupo formado, em maioria, por brasileiros como, Luiza Marteleto, grande colaboradora, que no começo ofereceu sua casa para preparação das refeições, ela é participante do Fraternidade sem Fronteiras e foi a ponte para que esse projeto hoje, leve o nome de uma ação do Fraternidade. Carolina Ribeiro, presidente da LVCSC – Casa Espirita de Las Vegas, que esteve a frente desse projeto com a Luiza, arrecadando doações e divulgando a ação. Luiz Goés, participante de outra casa espirita na cidade de Las Vegas, a Allan Kardec Spirit Society, grande colaborador e divulgador do projeto com sua esposa Vera Goés e hoje Eliana Rebisz, responsável por ceder a casa para o preparo da comida no atual momento. Suellen comentou com Carolina e Luiza sobre o espaço cedido pelo CARE COMPLEX e todos sentiram o chamado. O voluntariado pulsava em seus corações e o desejo de trazer esperança àquelas pessoas aumentava cada vez mais. Eles persistiram! Mas dessa vez com um projeto solido e parceria com uma instituição que possibilitou o inicio desse trabalho de uma forma legal diante das exigências locais.
Em meados de janeiro de 2021, o grupo realizou uma parceria com a Fraternidade sem Fronteiras (FSF), por meio do Núcleo FWB USA. “Minha amiga Luísa já era voluntária e as coisas foram se ajeitando, ela foi a ponte para que esse projeto alcançasse outros patamares, uma pessoa muito importante nesse trabalho. Fomos batizados de Fraternidade nas Ruas. Uma ação que acontece em várias cidades dos EUA, Nevada – Las Vegas, Nova York e Denver- Colorado.” O grupo tem expectativas de expandir as ações. Luiza coordenadora desse projeto, junto com os integrantes do projeto estão estudando a possibilidade de expandirem as ações em mais cidades. É uma grande vontade! É como eu digo: as coisas vão se encaminhando. Não tive medo, basta querer. Quando o trabalhador está pronto, o trabalho aparece.”
Desde então, todos os Domingos o grupo de voluntários leva macarronada à bolonhesa com suco, agua, café e sobremesas para os moradores da Corridor of Hope. Comida fresca, feita com carinho e cuidado. Suellen se emociona ao contar sobre o assunto. “Uma vez um senhor sonhava em tomar café quentinho, de cafeteira, sabe? Fomos lá e demos uma pra ele. Aquilo foi tão maravilhoso, parecia que ele tinha ganhado o melhor presente da vida.”
Sobre a condição das pessoas de rua, Suellen diz que não é uma opção, é uma condição ocasionada por escolhas erradas. “A necessidade está em qualquer lugar, temos que olhar os detalhes, olhar para o micro, não para o macro.”
Além da situação burocrática, outra diferença gritante na ação voluntária é a valorização da moeda. A Personal Organizer conta que nos Estados Unidos, 500 dólares equivalem a mais ou menos um mês de ação, comprando os alimentos e os utensílios usados no projeto. Como nos EUA as comidas enlatadas são as mais utilizadas, comer comida fresca e preparada para os moradores ressalta a importância que eles têm para o grupo. “ Eles se sentem especiais, se sentem vistos. Ficamos encantados pelo fato de cozinharmos para eles.”
Para Suellen, o voluntariado chegou no momento certo, de maneira natural e quando menos esperava “nunca fiz no Brasil… é mais que ajudar, é uma responsabilidade, se fazer presente, como por exemplo: se nós não formos Domingo eles ficam sem comer até, provavelmente, o próximo domingo. Aqui eu aprendi! É um grande aprendizado. Diz a voluntária e completa: “No final do dia quem mais recebeu ajuda foi eu, as coisas passam tão despercebidas… cada um tem seu tempo para compreender isso.”
Podemos fazer mais, fazemos tão pouco. É muito próximo da gente, qualquer tipo de ajuda, um prato de comida , atenção, amor….Às vezes falar que ajuda alguém é bonito, palavras são bonitas, mas a ação, a ação conta mais que palavras.