O trabalho tem quase 15 anos e, devido ao sucesso, será replicado de Campo Grande (MS) para Uberlândia, podendo chegar a outras regiões do país
Por: Cassia Modena – jornalista voluntária
Uma Bíblia e um colchão, foi tudo o que César precisou levar para passar um tempo no lugar que mudaria a sua história. Esse lugar era a Clínica da Alma.
As datas de entrada e de saída são lembradas por ele com exatidão: chegou em 26 de agosto de 2013 e recebeu alta em 5 de março de 2014. “Sete meses que foram um divisor de águas na minha vida”, resume. Depois da passagem por lá, riscou da trajetória a dependência química e o alcoolismo para ser reintegrado à sociedade e à família que quase perdeu.
Há sete anos está “limpo”. A dependência da pasta base e de bebidas alcoólicas só foi interrompida porque aceitou ajuda e passou a seguir os ensinamentos e exemplos de Jesus Cristo, guiado pelo pastor Milton Marques, responsável por dar origem à Clínica da Alma MS.
César Augusto Silva dos Reis tem 38 anos e hoje é servidor público do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, além de tecladista. Cuida da esposa e das duas filhas e continua nutrindo a espiritualidade especialmente aos sábados, quando retorna à instituição religiosa que o acolheu para participar dos cultos e contar da sua vitória contra os vícios.
O que é a Clínica da Alma – Nem médicos, nem enfermeiros, nem medicamentos. Com tratamento 100% gratuito, a Clínica da Alma é feita somente por gente de boa vontade, fé e desejo de mudança.
O trabalho começou dentro de uma pequena igreja que ficava na Rua 14 de julho, em Campo Grande (MS), há cerca de 15 anos. O pastor Milton ia chamando pessoas em situação de rua para dentro do local e oferecendo a eles a alternativa de libertarem-se das drogas e álcool e renascerem para uma nova vida.
No começo, a ideia não foi bem aceita. “Falavam que eles iriam roubar a igreja. Mas, como, se ali não tinha nada, se eu não tinha nada?”, conta o pastor. Sem temer nada mais, ele empreendeu o espaço que sedia a Clínica da Alma, uma chácara que fica também na capital de Mato Grosso do Sul.
Milton explica sempre a todos: “não é um lugar cheio de remédio, como alguns imaginam, e não é internação. É onde se fala do amor de Jesus”. Basicamente, é por meio da espiritualidade desenvolvida nos cultos e da disciplina – adquirida com a repetição de tarefas domésticas e plantio e colheita de alimentos num espaço verde — que o trabalho transforma pessoas.
São oferecidas cinco refeições diárias e atendimento psicológico. A família dos residentes pode fazer visitas enquanto aguarda o período de tratamento ser finalizado. Segundo o pastor, todo mundo que passou por ali teve a semente do bem e do amor de Deus plantada em cada coração. Para citar casos bem-sucedidos de reintegração, ele lembra de pessoas que tornaram-se empresários, microempresários, trabalhadores braçais e que voltaram ao seio familiar, como César.
Com a parceria da Fraternidade sem Fronteiras, o trabalho foi abraçado pelo projeto Fraternidade na Rua e ajudou 10 mil pessoas até aqui, pelas contas de seu idealizador. Agora, ganhará novos contornos, expandindo-se para a cidade de Uberlândia (MG).
“A Fraternidade é um ponto fundamental, ajuda em tudo. No abrir das portas para a união das religiões, no pensamento fraterno em si e na realização desse amor por meio de ações. Ela é uma porta muito aberta para que pessoas do bem possam encontrar ajuda para amparar necessitados”, pontua Milton.
Idealizador já viveu nas ruas – O pastor que cuida das suas ovelhas também já foi ovelha. A metáfora pode ser usada para que Milton fale um pouco do próprio passado.
“Eu sou fruto de pessoas que viviam nas ruas de Campo Grande, passando pelas mesmas necessidades que as pessoas que hoje eu auxilio. Em um certo ponto, eu disse ‘Jesus, me ajuda’ e consegui há 24 anos sair dessa vida”, recorda.
Ele também esteve em uma casa de recuperação. “Tenho Deus como meu princípio e, um dia, eu disse: ‘Senhor, se eu puder fazer algo pelos meus irmãos, eu vou fazer’. Estava sendo assistido e fui me recuperando”.
Da gratidão por ser ajudado, floresceu o desejo de ajudar. “Ali, nasceu um sonho. Me tornei um jovem pastor e assumi uma igreja pequena, sem grandes pretensões. Mas isso foi ganhando outro rumo desde que eu me coloquei à disposição para fazer esse trabalho e iniciei ele lá dentro”, conclui.
A exemplo de Jesus Cristo, Milton se dedica aos que estão doentes e necessitam de quem lhes estenda a mão.
Além da desintoxicação e da caridade – A proposta da Clínica da Alma é diferente da de alguns hospitais e centros de reabilitação públicos e privados que tratam da saúde mental e da desintoxicação dos dependentes químicos e alcoólatras. Também é diferente do gesto de caridade de quem oferta comida ou alguns trocados.
O cerne do trabalho está na reestruturação de valores referentes à vida, à família e a sociedade, baseados em ensinamentos de fé. Muitos acreditam que não há cura para as pessoas que se encontram à margem da sociedade em razão dos vícios, mas o pastor afirma que sim. “A sociedade os enxerga muito mal. Ou antecipa uma condenação, ou oferece algo que acaba contribuindo para que permaneçam nas ruas. Esses homens e mulheres não precisam da nossa misericórdia e sim, da nossa ajuda para serem transformados em definitivo”.
César também acredita que existe salvação. “Eu conheci um Deus que transforma. Minha mudança foi de dentro para fora. Essa minha história é bonita, mas tem outras tão bonitas ou mais bonitas que a minha que são provas do que estou falando”, testemunha.
Se você deseja apadrinhar esse projeto (Fraternidade na Rua) e auxiliar em seu processo de expansão, acesse: www.fraternidadesemfronteiras.org.br/narua. Com a sua ajuda, histórias como a de Milton e de César podem se multiplicar!