Ensino gratuito de música muda vidas de meninos e meninas desde 2009 e segue em atividade mesmo durante pandemia
Por: Cassia Modena
Imagine o que acontece quando um imã cai dentro de uma caixa de ferramentas: todos os corpos metálicos são atraídos pelo objeto magnético e, mesmo após retirado de lá, restarão vestígios de imantação nas ferramentas. Por isso é que a chave de fenda ficará “colando” no parafuso ainda durante algum tempo.
Assim também é com a música, compara o maestro Orion Cruz. “Se todo dia você pega um instrumento e pratica um pouquinho, aquilo fica pulsante em você até a próxima prática. A sonoridade conduz a reorganização da vida a partir de um foco e impacta o modo de ver as coisas e raciocinar, sem que se perceba”, ele explica.
Orion é um dos agentes escalados pela Fraternidade Sem Fronteiras para transformar realidades de crianças e adolescentes das classes sociais baixa e média, em Campo Grande (MS). Coordena, desde 2009, a Orquestra Filarmônica Jovem Emmanuel e cinco polos de ensino gratuito de música pelos bairros da cidade.
Tudo começou no polo que é a matriz, o Centro Espírita Amizade, localizado no Bairro Jardim Tayaná. Amparado pela Fraternidade, o projeto foi crescendo até conquistar seus cerca de 120 alunos contabilizados em março deste ano.
Pandemia trouxe dificuldades, mas também maior motivação – As aulas de música fluem melhor quando o professor está próximo do aluno, corrigindo os erros e observando a evolução. A pandemia de Covid-19 que enfrentamos agora obriga a suspensão das aulas presenciais, mas não desanima quem acredita no projeto.
Dar aulas por chamada de vídeo foi a alternativa encontrada neste cenário. Não tem sido fácil, relata o professor de clarinete Arthur Henrique Oliveira. “Perdemos a audição nítida das notas, perdemos a música em conjunto e ainda temos que lidar com barreiras como o delay do som chegando até nós por meio da internet. Estamos persistindo, mesmo assim”.
Desde que entrou na vida das crianças e adolescentes, a música tornou-se uma necessidade. Continuar é preciso. “Nós sabemos que aprender a tocar um instrumento e conhecer a teoria musical requer disciplina. Esses nossos alunos têm muita, até porque o instrumento é um consolo para as crises financeiras e emocionais que eles têm ou podem vir a ter”, diz Arthur.
Ex-aluno do maestro Oreon, o próprio professor é um exemplo de persistência diante de dificuldades. Ele, que resolveu começar por um instrumento considerado complexo, fugia das aulas de teoria musical no início e quase desistiu da música. “O clarinete veio como opção oferecida pelo meu pai quando eu era menino. Quando comecei a ter aulas de música, achava a teoria muito chata, mas depois entendi que era preciso aprender para evoluir naquilo. Hoje leciono o conteúdo que não gostava e ensino a tocar clarinete”, relata.
De qualquer forma, superar problemas é intrínseco ao aprendizado musical. Ao requerer maior resiliência e disciplina, a música muda padrões e vai transformando vidas. A Fraternidade Sem Fronteiras sabe disso e continuará auxiliando o projeto, para que cresça ainda mais!
Mãe e filhos gêmeos são alunos dedicados – Elisângela Sandim mora com a família no Bairro Vila Planalto e divide seu tempo entre fazer bolos por encomenda; atender clientes na loja de peças automotivas que ela e o marido gerenciam; e cuidar do filho mais velho e dos gêmeos caçulas Eduardo e Leonardo, de 12 anos. Para aliviar o peso da rotina e se curar da Síndrome do Pânico, ela mergulhou na música.
Assim como o primogênito, Edu e Léo começaram a musicalização na escola pública onde estudavam regularmente.
Interessados em ampliar o conhecimento, os dois foram inscritos nas aulas da Orquestra Filarmônica Jovem Emmanuel aos 9 anos. Em pouco tempo de estudo, tornaram-se pequenos multi-instrumentistas e incentivaram a mãe a aprender também.
“Levava os gêmeos para as aulas de música e ficava esperando terminar, entediada. Até que um dia o maestro me convidou para aprender também e aceitei. Foi a melhor coisa que fiz”, conta a mãe. Em apenas um mês, ela já sabia executar no clarinete a 9ª Sinfonia de Beethoven e viu os sintomas do transtorno de ansiedade desaparecerem.
Ninguém acreditava que ela iria conseguir a tocar o instrumento de sopro tão rápido. “Meu marido me apoiou, mas desconfiava que eu não iria conseguir, pois era realmente um desafio. Hoje eu digo a ele: não abro mão da música, é inegociável para mim”.
Léo, o menos tímido dos gêmeos, fala que a música o faz relaxar. “É uma coisa que deixa a gente se sentindo bem”. Edu, que tinha tendência à gagueira, venceu suas dificuldades na fala após começar a frequentar as aulas da Orquestra.
Elisângela e os filhos são um trio de alunos muito querido entre os professores. Dedicados, continuam aprendendo em casa durante a
pandemia. Sentem falta de tocar junto aos demais alunos num mesmo espaço, mas nem pensam em largar o projeto que tem trazido tantos benefícios para a família.
A Orquestra Jovem Emmanuel – Hoje, a Orquestra tem oito professores e três monitores. É formada por instrumentos de cordas (violino, viola de arco, violoncelo e contrabaixo) e sopro (flauta, clarinete, trompete e saxofone).
Após ensaiados, os membros podem participar das apresentações. Elas geralmente ocorrem em eventos, asilos e locais públicos. A Orquestra pode ser contratada por qualquer instituição.
As unidades de ensino ficam nos seguintes locais: loja Arquitécnica; sede da SEICHO-NO-IE do Brasil em Campo Grande; Escola Municipal Major Aviador Y-Juca Pirama de Almeida; Educandário Getúlio Vargas; e Centro Espírita da Amizade.
Os critérios para ser um aluno é ter entre 8 e 16 anos de idade e comprovar matrícula em escola regular.