Lilian, Gabriel, Lis e Luna atravessaram o continente e desembarcaram no Malawi, onde começaram suas trajetórias de autoconhecimento e viver o sentimento Ubuntu através do trabalho voluntário na escola
Por: Alline Gois
A escola feita de tijolos cor caramelo e fachadas coloridas surge no terreno plano e arenoso de Dowa, cidade a 40km da capital Lilongwe, na República do Malawi, um país da África Oriental.
O terreno amplo, com poucas árvores, foi recebendo voluntários, que fizeram suas próprias enxadas, fundamentaram a base da escola e começaram a assentar tijolo por tijolo o sonho e a esperança de muitos coraçõezinhos que ali seriam acolhidos.
Aterrissaram nesse projeto de amor, a família Vogt. Com o desejo de fazer a diferença na vida das pessoas e guiar as suas vidas em um propósito mais profundo e sem a mediação do dinheiro, fez com que eles se unissem ao Projeto Nação Ubuntu, coordenado por Clarissa Paz.
Gabriel Vogt, Lilian Vogt e suas duas filhas, Lis (de 6 anos) e Luna Rosa (de 2 anos), desembarcaram no Malawi no dia 4 de setembro de 2019. O misto de cansaço e euforia tomou conta da família recém-chegada. No caminho, a paisagem e a vida iam se transformando aos poucos, a estação seca e amarelada, como a imagem que faziam da savana africana, se apresentava a eles. Nos vilarejos, mulheres com filhos nas costas e cestos na cabeça e as lavadeiras seguindo para seus afazeres. Era um mundo novo!
O caminho até a Nação Ubuntu foi repleto de expectativas e a recepção calorosa fez com que a família esquecesse o cansaço da longa viagem. Envoltos por abraços, sorrisos e muito carinho, foram recebidos pelos voluntários e a comunidade local. “Nos apresentaram nossa casa e acompanharam nossos primeiros momentos de intimidade com a nossa nova morada. Foi bem especial, lembro que o cansaço e o estresse da viagem ficaram em segundo plano durante esse momento de primeiros contatos humanos”, contam Gabriel e Lilian.
Após a chegada, mãos à obra! Gabriel, professor de geografia, e Lilian, professora de francês, assumiram a coordenação da Escola Ubuntu e formularam o projeto político-pedagógico, que está fundamentado no respeito à diversidade e à cultura da infância, aprendizagem pelo brincar, comunicação não violenta e positive guidance, consciência ambiental e respeito à biodiversidade, promoção da saúde e do bem-estar, autoconhecimento, parceria com as famílias e prática reflexiva. Eles explicam que todos esses princípios estão fundamentados nos valores de comunidade, cuidado, proteção, afeto, amor e fraternidade.
Valores esses que fazem parte da filosofia africana Ubuntu, que surgiu na África Subsaariana, com os povos chamados bantus – formada por mais de 400 grupos étnicos que falam línguas bantas. “Eu sou porque nós somos”, esse é o pensamento Ubuntu, no qual todos os indivíduos se entendem parte de uma grande família: a humana. A filosofia está calcada nos princípios de solidariedade, fraternidade, respeito e união.
Conectados com o sentimento Ubuntu, de entender que somos toda parte de uma só família, e que somos todos responsáveis pelo bem-estar uns dos outros, Gabriel e Lilian deram início a esse grande propósito de encontrar a linguagem universal, de união entre todos os povos.
O start do projeto nos trilhos da vivência Ubuntu foi cheio de questionamentos para Lilian e Gabriel, que queriam formar as filhas com um olhar mais amplo e humano do mundo. Entre um pensamento e outro eles se perguntavam: Como educar emocionalmente as crianças num mundo tão tóxico pelo consumo, pela futilidade e pela competitividade? Como desenvolver o respeito à diferença, à empatia e o espírito compassivo?”.
Eles chegaram a algumas respostas: “Nós entendemos que uma experiência de descentramento nesses níveis é um legado que a educação formal jamais poderia dar a elas. O mais maravilhoso é que, chegando aqui, descobrimos que nós mesmos tínhamos vindo para isso. Para nos lançarmos em uma experiência autêntica e desromantizada de deslocamento na direção do Outro, da diferença, para, enfim, tentar encontrar a linguagem universal que nos une. Esse processo é qualquer coisa menos fácil e confortável, mas profundamente necessário nos tempos em que vivemos”, revelam.
O caminho percorrido foi longo. Gabriel e Lilian amadureceram a ideia, foram se desapegando de coisas matérias e florescendo no peito o sentimento ubuntu. Doar livros à uma biblioteca foi um dos primeiros passos de Lilian ao encontro dessa linguagem universal, dessa corrente fraterna. Prontos, eles deixaram o interior do Rio de Janeiro, abriram mão de posses, interromperam a carreira e atravessaram o continente para abraçar seus irmãos no Malawi.
Viver Ubuntu tem sido uma experiência transformadora e reveladora para a família, que contam sobre esse processo: “Eu diria que algo fundamental nessa experiência, que já podemos sentir com clareza, é a necessidade de mais humildade e menos julgamento. Nunca podemos entender de fato o que está acontecendo na pele alheia, os caminhos que os levaram a se apresentar de uma outra forma, as dores e dificuldades escritas na história pessoal de cada um. O que devemos aos outros é, portanto, mais humildade e menos julgamento, ouvir mais, estar mais junto, a fim de construir um mundo de mais amor e compreensão mútua”.
O sentimento Ubuntu fez eles trilharem o caminho em direção ao projeto da Fraternidade sem Fronteiras que leva o mesmo nome da filosofia africana: Nação Ubuntu, no qual se encontraram e, agora, colocam na prática esses valores na administração da Escola Ubuntu.
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