Por Marcele Aroca Camy
Madrinha desde 2016 da Fraternidade Sem Fronteiras (FSF), a psicóloga Regina Helena Oliveira, 52, diz que o cansaço passou em segundos, assim que pisou em Muzumuia, na África, com a caravana – em fevereiro de 2018.
Era tarde e estava muito escuro no local, que foi tomado de música e muitos sorrisos. De repente a noite foi iluminada de uma alegria que, segundo Regina, envolvia a todos em uma energia sem preço. Só pode ser amor!
E assim começou a jornada da voluntária, que disse receber o presente mais lindo na chegada: os abraços! Ela compartilha que, sente que se preparou a vida toda para estar lá e realizou um sonho de muito tempo.
Durante a conversa, Regina expressa muitas vezes a beleza da afetividade e delicadeza do toque das crianças e outros comportamentos que pôde observar, como crianças maiores ajudando as mães com as menores e o trabalho em conjunto – com alegria. “Elas tocam, nos tocam e deixam ser tocadas”, afirma a psicóloga.
Chuva e alimento
“Em uma das aldeias que visitamos, caiu uma chuva muito forte. Um presente de Deus para todos, porque era água chegando”, conta Regina Helena. Conforme o relato da voluntária, um dos galpões era refúgio da chuva e ao mesmo tempo, abrigo de espera para o almoço.
Mas o que chama a atenção é o que vem em seguida, no momento da refeição: “Os trabalhadores serviram um prato que três adultos dos quais têm o costume de conviver, não conseguem comer tudo aquilo. Era muito comida e crianças de três a sete anos, comiam tudo! E depois? Elas roíam os ossos até o fim… E depois? Procuravam restos de comida no lixo e comiam tudo o que encontravam. Um de nossos amigos disse que elas não comiam há dois dias. Eram lições para a vida inteira!”, aponta a caravaneira.
Sobre a chuva, Regina fala que era recolhida o máximo possível em baldes. No entanto, isso já era esperado. A cena que não se previa era o que ocorria em paralelo: Crianças se abaixando ao chão para brincarem e tomarem água nas poças de lama. “Tive dor intensa naquela visão, mas serviu para que eu reconhecesse o quanto tenho ainda que fazer, trabalhar, ajudar, entender e compreender”, confessa a profissional que ainda guarda a cena na cabeça, como um filme a reprisar constantemente.
Chicualacula: o lugar do banho sagrado!
Com olhar marejado e voz trêmula, a caravaneira descreve um momento simples e encantador de sua estadia em Chicualacuala: o banho, que ela chamou de “o banho sagrado!”.
“Tínhamos trabalhado o dia todo e quando chegamos no alojamento, havia um banheiro absolutamente limpo, com três mulheres lindas, sorrindo e nos oferecendo um balde e uma canequinha para o banho, com águas que elas trouxeram na cabeça… de muito longe. Aqueles foram os banhos mais sagrados da minha vida, que me tocam até hoje. Uma água bendita e valorosa, um banho que a minha alma precisava muito”, ressalta Regina Helena.
Ela ainda reforça que foi um momento de extrema gratidão, pois mesmo diante de toda a dificuldade, elas estavam dividindo com os caravaneiros o que tinham de melhor, quase raro e precioso: a água.
Assim, a psicóloga admite que viveu mudanças especiais: “Depois dessas experiências, tudo muda e se ressignifica na vida da gente, pra sempre. Precisamos amar mais! Acredito que a responsabilidade pela dor do outro é de todos nós, não só da África. Por que existe fome no mundo, miséria moral e material? Porque precisamos combater os piores vírus que existem na humanidade, os da indiferença… apatia, prepotência, arrogância e do egoísmo, que corroem todas as sociedades”.
Sobre mudar o mundo, ela diz que não acredita que vai fazer, mas reconhece que pode executar mudanças nela mesma; e que volta diferente para o Brasil, mais especificamente para Jundiaí (SP), onde mora.
“Procuro construir algo melhor dentro da minha pessoa, pois somente desta forma poderei colaborar com alguma questão do meu mundo externo, esteja ela a 5 metros, 1300 Km ou do outro lado do continente. A Fraternidade Sem Fronteiras é uma ponte que nos permite experienciar o que temos de melhor em nós e pretendo retornar para a África, assim que possível”, finaliza.
Os quase 10 mil km que separam Jundiaí da África não foram suficientes para frear o amor de Regina. A voluntária, que já foi caravaneira também no Malawi, pretende retornar à Moçambique este ano para continuar a história, e escrever novos capítulos é a semente de fraternidade que motiva a inspira a caminharmos ainda mais longe, e sempre juntos.